segunda-feira, 23 de agosto de 2004

Uma ilha pequena

Pensava não haver dúvidas nos espíritos vivos quanto aos efeitos do elemento geográfico sobre o comportamento das pessoas. O produto de gerações vividas na Madeira ou na Reunião não é de maneira nenhuma o mesmo que o seu semelhante (gerações sucessivas) nas estepes, nos desertos, nas savanas ou nas florestas equatoriais. Mesmo em regiões contíguas: o isolamento de um transmontano e de um alentejano é o mesmo, mas o terreno onde se movem é outro; daí que um seja teimoso e outro casmurro...

quinta-feira, 19 de agosto de 2004

A Madeira será uma ilha pequena?

Ontem uma puta disse-me que não gostou nada de trabalhar na Guadalupe. Estranhei. Porque é que não gostaste? Tanto sol, belas praias. As pessoas, explicou, não são normais. Cheguei à conclusão que de que todos os insulares têm uma pancada. Como assim? duvidei. É. Acredita, insistiu. Então queres tu dizer que os ingleses são todos apanhados do clima? Por acaso até são um bocado, continuou. Mas a Grã-Bretanha não é uma verdadeira ilha no sentido em que é demasiado grande. As pessoas não se apercebem de que estão numa ilha. Percebi a lógica mas continuei a duvidar da veracidade da teoria.
Garanto-te. Há uma espécie de alienação de todas as pessoas que vivem em ilhas pequenas. Ficam transtornadas, diferentes, esquisitas. E no meu trabalho descobrem-se mais facilmente as pancadas que noutro métier qualquer, explicou. Não pude deixar de lhe dar razão. A "line of work" da Karine é de facto uma montra da condição humana como há poucas.
Será que ela tem razão? Será que todos os ilhéus têm pancada? Será que o Casimiro saiu da ilha a tempo? Fiquei a matutar nisto toda a noite enquanto pensava que a Karine tem um dos melhores cús de todos aqueles que já se sentaram em cima da minha mão esquerda...

Voltem que estão todos perdoados*

O mês de Agosto é um dos melhores meses no Luxemburgo: não está frio, não há trânsito e até os bófias parecem menos interessados em passar multas do que no resto do ano.
Contudo, um estigma estraga este mês tão aparazível: onde estão os meus amigos?
As duas últimas semanas têm sido muito difíceis para mim e o Manel. Se exceptuarmos o Casimiro (que dá mais importância aos quilómetros que corre que à comida que engole), temos sido eu e o Manel e o Manel e eu. Ao almoço, ao pequeno-almoço, ao habitual café da tarde... sempre. Uma pasmaceira.
O Hugo está cá, mas entre os pais e os tios não pára de fazer família-sitting desde há mais de uma semana.
E à noite? Logo agora que a minha inquilina se pôs longe para visitar a família e meu deu umas férias de luxo, não há um gato pingado que me acompanhe nas saídas nocturnas. Salvou-me o Michel que se revelou mais querido pelas dançarinas do Esplêndido que o doutor Roso himself.

*até o Filipe já está quase perdoado por se ter casado e ter filhos e não passar charuto ao pípal.

segunda-feira, 9 de agosto de 2004

Silly season.

A "silly season", como o seu nome indica, leva-nos a fazer coisas que nunca faríamos em situações normais. Deve ser do sol ou do calor, mas qualquer que seja a explicação não me sinto menos "silly" por fazer coisas de que me envergonho depois.
Ontem foi domingo. Para ontem esteve marcado um churrasco organizado pelos meus amigos que, assutados com a chuva do fim-de-semana, decidiram anular todos os planos. O magnífico dia que despontou ontem convenceu apenas o Roso a levar avante o projecto. Como os meus amigos são todos pessoas muito organizadas, nenhum conseguiu reagir com um prazo tão curto e disseram todos ao Roso que não ou que depois passavam por lá para dar duas de conversa.
O Roso comprou os necessários apetrechos numa bomba de gasolina e lá foi com a família. Eu disse-lhe que lhe faria uma visita durante a tarde até porque tinha curiosidade quanto ao sítio que o Ip sugeriu para este churrasco.
Ó Roso, diz-me lá que é que tenho de meter no GPS para ir ter aí. O Roso explicou que não havia nenhum nome de rua naquele canto do Mosela mas que lhe ligasse quando chegasse a Remerschen. Assim fiz, mas não era preciso. A minha co-pilota, à medida que nos aproximávamos do local, começava a temer o pior. Tenho a impressão que já vim a este sítio, e mais do que uma vez, dizia temerosa. Pensei que ela exagerava, e que tinha más recordações dum locval onde vinha com o seu ex que, como toda a gente sabe, é um filho da puta resmengo.
Liguei ao Roso para confirmar e ele disse-me: estás aqui. É mesmo aí, estou a ver o teu carro!
A minha primeira impressão foi péssima. Carros havia umas centenas e pessoas com ar de caxineiros passeavam-se pelas ruas que davam acesso a uma pequena barraca onde se vendiam os bilhetes de acesso. E o pessoal paga para ir práli?!
Também pagámos. 5 euros por duas pessoas. Entrados no recinto a visão é dantesca. O sítio até é capaz de ser bonito se for visitado por um casal com o cio, mas a visão de corpos besuntados e o cheiro de acendalha proveniente dos grelhadores demove qualquer um. Eu, como queria, pelo menos, dizer olá ao meu amigo, insisti e atravessei o relvado de ervas daninhas entre a barriga do senhor Costa e a celulite da madame Schmitt sempre ao som do músioca cabo-verdiana que provinha do rádio de pilhas da família Da Luz.
Quando me sentei ao pé do Roso pude admirar o local e os seus ocupantes com mais vagar, com acompanhamentos musicais tão misturados como os cheiros de sardinha, thüringer e líquido de acender os barbecues. Eu nunca fiz campismo, mas é assim que imagino um parque cheio de gente num dia de Verão. Nem sequer faltam as bichas para as casas-de-banho nem os miúdos a jogarem à bola, ao frisbee e badminton com aquelas raquetes de madeira de praia.
Porque raio é que o Ip nos convenceu a vir práqui com tantas florestas bonitas e agradáveis que o Luxemburgo tem para oferecer? A minha inquilina recusou-se a ficar mais de meia hora e explicou: já aqui passei das tardes mais aborrecidas da minha vida com o meu ex, não me obrigues tu a repetir a dose. Achei que ela tinha razão. Que ir a banhos aqui é demasiado kitsch e proletário para os meus gostos refinados. Posso ser um burgesso, mas sou um burgesso com gostos de luxo.
Ainda por cima, não vi sequer uma única gaja boa. E a única que a minha miopia achava comestível estava sempre a olhar pró Roso, a crer naquilo que ele me disse mal cheguei.