domingo, 28 de setembro de 2003

Salões de chá.

Sempre gostei de salões de chá. A minha mãe, e mais frequentemente a minha tia-avó, levavam-me até cafés para senhoras que se chamavam salões de chá. Para mim era indiferente o tipo de clientela que frequentava esses locais, iguais aos outros cafés ou pastelarias.
Sempre gostei, contudo, das maneiras dos empregados. Nesses sítios que a Tiji frequentava, eram mais simpáticos que na pastelaria Moderna ou no café Albano e as senhoras pareciam ser todas amigas de velha data. Lembro-me da Xai Xai, no Porto, e do Mário, em Amarante, onde os bolos (quem não for do norte substitua por pastéis para melhor compreensão) eram excelentes e mesmo ali ao lado podiam comprar-se os cromos de todas as colecções que eu andava a fazer, incluindo os raríssimos autocolantes de "O Mundo de Fúria".
No Luxemburgo há muitos salões de chá. A tradição e a idade dos habitantes do Grão-Ducado garante um mercado estável. Talvez seja por isso que nessas casas o atendimento seja dos piores neste país, que já tem, de qualquer forma, como ex-libris comercial a antipatia.
As piores casas de chá são aquelas que se promoveram ao nível de salão-de-chá/traiteur/restaurante. O crescimento forçado abalou definitivamente as estruturas e o limitado profissionalismo dos empregados, difíceis de encontrar, complica as coisas. E quem paga a factura é a clientela.
Os preços, naturalmente, aumentaram quando a subida de divisão se fez, mas o pior preço a pagar é o tempo que se passa: meia hora à espera de uma pizza aquecida no micro-ondas ou quinze minutos é o tempo que demora um sumo de laranja a ser espremido.
Ontem, num desses estabelecimentos uma senhora alemã dirigiu-se ao gerente, que por acaso estava atrás do balcão, dizendo que, cliente há trinta anos daquela casa, nunca tinha sido tão mal servida. Nem o facto de a reclamação ter sido feita numa língua ideal para protestar fez o senhor levantar os olhos dos capuccinos que preparava. Só no momento de lhe dar o troco balbuciou: "estamos desesperados de trabalho. Muitos clientes na esplanada!".
É verdade, o longuíssimo Verão 2003 (graças a Deus!) apanhou desprevenidos muitos restauradores, mas essa desculpa não serve para o resto do ano, em que o serviço sempre foi lento e a maioria dos empregados antipáticos e desagradáveis. Ontem, eliminei as minhas teorias da falta de formação e da inexperiência. Afinal a antipatia e a falta de respeito transmite-se directamente do "senhor Oberweis" ou do "senhor Kohler" desde o alto da pirâmide até ao mais jovem aprendiz.

sábado, 27 de setembro de 2003

PS2.

Comprei uma Playstation 2. O acontecimento só é importante porque desde 1977 que não comprava uma consola de jogos, na altura um Videopac da Philips, e porque em 2003 tenho 37 anos bem contados.
Tenho vergonha de ter comprado uma PS2? Não acho, mas tudo indica que sim. Para começar, não consegui comprá-la sozinho. Aliciei amigos, tentei convencê-los a partilhar o pecadilho. Vamos comprá-la a meias Filipe, para a rentaibilizar, já que nem eu nem tu temos muito tempo para passar a jogar. O Filipe disse que não. Tentei aliciá-lo com aquilo que ele mais gosta depois dos computadores e de umas peúgas Boss. É só para utilizar com jogos de carros; Colin McRaes e coisas dessas... O Filipe continuou a achar que era uma estupidez e lá seguimos nós para a secção dos DVD.
O Hugo reagiu melhor do que eu pensava. Propus ao Filipe comprar uma PS2 a meias. Que é que ele respondeu? Cortou-se. Parece-me uma excelente ideia; eu era menino para alinhar...
O Hugo alinhou. Eu esqueci-me da PS2 durante uns dias até que ele na terça-feira me telefonou do supermercado. Estou aqui em frente às Playstation e o preço é inferior a 200 euros. Compro? Compra. Comprou.
Hoje o Hugo passou-me a PS2. Não fui a correr para casa experimentar o único jogo de que disponho, mas quando cheguei ao aconchego do lar não me apetecia nada mais senão ver os bólides do Gran Turismo a acelerar no ecrã do meu televisor. Ainda por cima tem o Subaru! E o Civic do Roso! O barulho é igualzinho ao dos carros a sério. Está bem, vou pôr mais baixo por causa dos vizinhos. De facto já são três da manhã...
A nossa PS2 é o máximo. Mas precisa de um volante, de um segundo joystick para os jogos a dois e um cartão de memória. Hugo, temos de investir mais uns 200 euros. Tudo bem, afinal as corridas de carros sem volante não têm piada nenhuma.
Amanhã vou a uma loja onde trabalha um velho amigo e comprar os acessórios todos. Naturalmente vou-lhe dizer que é para oferecer ao filho de um amigo. Não é por vergonha de aos 37 anos ter comprado uma Playstation, é só porque a comprei na concorrência e ele podia ficar sentido.

sexta-feira, 26 de setembro de 2003

Não é inédito...

O Laboratório de Virulogia Endémica da Universidade de Stanford-upon-Thames enviou um relatório circunstanciado às instâncias comunitárias europeias no qual se conclui que o bacalhau do mar do Norte está inquinado com um vírus que pode ser mortal para o ser humano.
De acordo com os cientistas britânicos, que durante oito meses tentaram detectar, identificar e isolar o vírus, trata-se de uma estrutura celular diferente do que até agora se conhecia. O vírus tem o aspecto de ser uma malformação ocorrida numa proteína presente no sistema digestivo do plâncton.
Nas conclusões do relatório pode ler-se que a transformação que deu origem ao novo vírus terá sido ocasionada pela poluição em hidrocarburetos de que enferma o mar do Norte, que as organizações internacionais de apoio à preservação do meio ambiente denunciaram em inúmeras ocasiões.
De acordo com o director do Centro de Pesquisa Molecular daquela universidade do Reino Unido, Dr. Ph. Eatmore Afdaúz, que fez parte da delegação que entregou pessoalmente o relatório aos mais altos responsáveis da Comissão Europeia, “estamos em presença de um risco para a saúde humana muito mais grave que o registado com a BSE”.
O doutor Eatmore Afdaúz acrescentou, no entanto, que “apenas os dinas e os suecos é que têm de tomar cuidado, já que só eles consomem aquele peixe”.
O distinto cientista desconhece que também os portugueses, os espanhóis e os algarvios têm, na sua dieta-base, o bacalhau como elemento central, e que está presente em variadíssimos pratos da sua culinária tradicional.
A notícia do relatório daquele instituto de pesquisa britânico apanhou a comunidade científica de surpresa, em pleno debate sobre a encefalopatia espongiforme bovina e num momento em que, na própria Grã-Bretanha, muita gente faz as malas para o Continente com medo dos cidadãos que regressarem proximamente de Hong-Kong, infectados com o também já famoso, e temido, “vírus dos frangos”.
No entanto, o Centro de Engenharia Molecular do Instituto Superior de Ciências Médicas da Universidade de Mondercange-sur-Alzette já havia detectado transformações inexplicáveis na estrutura óssea dos bacalhaus adultos que, regressados dos mares frios do Norte, sobem o Alzette para desovar.
Contacto pela imprensa, o Dr. Erlinger Josy, director do Centro, revelou: “Nós já tínhamos reparado que, em alguns exemplares de bacalhau recolhidos nos tanques de passagem, havia indícios de podridão acelerada das barbatanas. No entanto, não ligámos grande importância ao assunto porque os Supermercados Primavera compravam-nos todos para dessas barbatanas fazerem bolinhos de bacalhau”.

quinta-feira, 25 de setembro de 2003

Benfica.

Ontem fui ver o Benfica. Sempre que os clubes portugueses jogam num raio de uns 300 quilómetros é tentador ir vê-los e apoiá-los. Ontem, o Benfica jogou a menos de 200 quilómetros de minha casa. Foi fácil ir vê-lo defrontar uma equipazeca belga, mas foi difícil apoiá-lo. Foi mesmo difícil não assobiar.
"Com um ordenado como o teu até eu corria mais", gritava um benfiquista com a esperança que Simão Sabrosa o ouvisse. Mas não, os jogadores do Benfica não ouvem ninguém. Como não ouviram os gestos desesperados de Camacho que os mandava subir no terreno. Como não ouviram a força da camisola que envergam e que devia assustar qualquer adversário.
Hoje, a camisola do Benfica é vestida por jogadores de segunda, sem motivação, sem objectivo. Se Eusébio estivesse morto daria voltas na tumba. Como não está, deve sofrer ainda mais.

Sono

O Luxemburgo fica entalado no meio de tudo: França, Bélgica, Alemanha, Países Baixos, Suíça, Inglaterra e mais algumas coisas. É um cansaço. Não há concerto, jogo de futebol, exposição ou estadia de amigo que no fundo, no fundo, não seja atingível com um naco de tenacidade e um automóvel. A possibilidade de ir a todas desgasta, porque é incessante: todos os fins-de-semana há algo para fazer em algum lugar, e é óptimo poder dizer, como se pode em Portugal: "Gostava tanto de ir a [Paris, Turim, Sheffield, Brugges, Amesterdão, Colónia] este fim-de-semana ver [o Bowie, a Tate Gallery, o Pedro, a Paris-Plage, a festa do vinho, o Boavista], mas não dá! Estamos aqui no nosso cantinho, na periferia, é a nossa sina..." É um lamento musical, é uma boa desculpa, é uma ganda mentira. Nós estamos aqui no meio de tudo e a única coisa que desejamos é poder recuperar no sábado de manhã o sono tremendo em que vegetamos nas langorosas horas de trabalho. De vez em quando lá ouvimos o habitual "Quê?! A Ermengarda vai estar em Nantes por cinco horas e tu não a vais visitar?? Mas se são só 800 km em cada sentido..." É a vida.

quarta-feira, 24 de setembro de 2003

Telefonema enremelado entre dois arrufos e três pratos

- Vens almoçar comigo hoje?
- Ainda não sei, é muito cedo.
- Muito cedo porquê?
- Ainda nem são dez horas.
- E depois? Já sabes que vais ter de almoçar.
- Acabei de beber o meu primeiro café do dia; ainda faltam uns três para começar a acordar. Nessa altura pensarei em que parte da floresta vou caçar os meus alimentos.
- Podíamos ir ao La Salsa Cubana. Ouvi dizer que fazem uns mojitos fabulosos.
- Mas vamos comer ou...?
- De certeza que também têm tapas.
- Não tenho nada para tapar; quero comida real. E de qualquer forma não tenho tempo... tenho de fazer um almoço rápido, estilo sandes...
- Bom, está bem. Nesse caso posso ir ter contigo ao meio-dia e depois ainda passo pelo banco.
- Ok, depois falamos.
- Gostava de estar contigo ao almoço... Olha, o Alexandris está aí? Ele escreveu-me a perguntar se sempre vamos todos ao badminton amanhã.
- Não, não está aqui, e quando é que esse rabeta deixa de te cortejar, não saberás? Não achas que já te derretes o suficiente quando falas com ele?
- Fofinho, não sejas ridículo. Eu nem sequer podia imaginar algo do género, porque é que és tão cium...
- Olha... estão-me aqui a dizer que a máfia vai toda ao Fiel Amigo, o prato do dia é chanfana. Acho que também vou, sabes, gosto muito de chanfana...
- [suspiro] Ok, tem um bom almoço então...
- Tu também.
- Mas eu não estava a ser irónica! Estava a falar a sério... vemo-nos mais tarde?
- Hoje à noite não posso. Vemo-nos um dia destes, haha.
- Sabes mesmo como irritar-me...
- Obrigado. Aposto que dizes o mesmo a todos.
- E eu que só queria estar contigo ao almoço...
- Podíamos ir ao Fratelli, minha querida. O fagotto é imbatível lá. Reservo para a uma e um quarto?

terça-feira, 23 de setembro de 2003

No Lux não há nada!

O Roso ontem enervou-se porque no Luxemburgo não há mesas de pingue-pongue. "Ando à procura de um sítio para jogar pingue-pongue; onde posso ir?", perguntou-me ele à espera que não houvesse resposta evidente. E não há. Eu só conheço uma mesa de pingue-pongue utilizável pelos comuns mortais que são os funcionários. Fica num dos edifícios da Comissão. "E clubes não há? Deve haver mais em Águeda!". Duvidei. Mandei vir. Protestei. "Informa-te!", gritei-lhe. Estou convencido que deve haver uma dúzia de sítios onde jogar o desporto favorito dos chineses.
Enerva-me quando ouço dizer que no Luxemburgo não acontece nada, que não há nada. É a mais pura mentira. Há tanta coisa que por vezes há demais. Como há demasiados clubes de tiro ao arco, por exemplo, não há nenhum que seja excepcional porque dividem-se os praticantes e os sócios-pagantes. Clubes de fanáticos dos automóveis há para todas as marcas - da Subaru já são três! E detestam-se entre eles e evitam encontrar-se nos "meetings" que os vizinhos alemães organizam.
No Luxemburgo há tudo e há de tudo, só que ou está mal publicitado ou mal distribuído. Eu, por exemplo, só tenho dois carros e conheço um tipo que tem cinco, entre os quais um Ferrari.

É relativo...

Nem mesmo as divindades e os demónios escapam à relatividade: eles definem-se relativamente aos restantes e a cada um deles – o que representa a guerra é forte porque o que fala pelo espírito é fraco e delicado; o patrono da caça é matreiro porque o que responde pelo amor é simples e ingénuo. No mesmo plano há quem coloque o universo – primeira unidade e poder mais forte –, e até ele se perfila diante de um padrão, para que possamos entender se se expande, e para onde, ou se se contrai, e em que eixo o faz.
Nem eu nem tu, nem nenhuma parte de nós, se individualiza suficientemente para que não tenha medida, nem nome, nem retrato. Até as probabilidades têm referências. Os espelhos mostram sempre alguma coisa, mesmo quando tu não estás a olhar para eles nem alguma coisa por ti. Há existências que se revelam pelas suas próprias sombras, os contrários são irmãos gémeos, a ilusão é a realidade do irreal, uma grande distância compõe-se de muitas pequenas distâncias. Por mais curta que seja a vida, não há linhas rectas, mas tu sabes que elas existem quando as traças relativamente a dados arbitrários. Por oposição a não é prova de contraste, muito menos de contradição, é admitir um mundo de pares, e de grupos de pares.
No trajecto entre uma metade e outra encontramos o equilíbrio, sem ser preciso colocarmo-nos a meio termo. Ao estabelecermos que se existe por colocação, numa escala, perante algo ou alguém, não nos furtamos à relação com o objecto cuja existência confirma todos os elementos pelos quais nós nos podemos identificar, sem todavia nos individualizarmos. Embora possamos não nos deixar submeter ao conjunto, e decidir

NdR: Grrrr!!! Porque raio não acabei eu este texto, há quatro anos?! Podeis explicar-me?

Utah Jazz

Conhecem o Nico? O Nico é o namorado francês, vulgo vietnamita, de uma amiga de uma boa amiga. O Nico é bom moço, um tanto ou quanto apalermado talvez, certamente fascinado - de uma forma que vai impreterivelmente descambar para o desastre - pela autoritária amiga da minha amiga. O Nico passou alguns dias no Luxemburgo, e impressionou a tal ponto essa velha puta política do Mike Koedinger que este elevou-o à categoria de figurão nacional baptizando o seu zine branché em homenagem ao Nico.
O Nico - o livrinho, o que se encontra semanalmente por aí e é grátis porque é pago por uma lista infindável de sapatarias e bares que, coincidencialmente, obtêm críticas muito favoráveis na parte jornalística do Nico - é fixe. Porque, num formato necessariamente condensado, lista ideias para as noites e os fins-de-semana no Grão-Ducado. Algumas até são boas, e procura-se passar um bocado do registo "Vai ver o último filme com o Keanu Reeves JÁ!" (a propósito, aquilo também é pago pelo Utopolis). Só não tem a lista das farmácias de serviço...
Brincando um pouco aos Nicos, hoje é terça-feira, e todas as terças-feiras há jazz no Liquid. Por vezes é muito urbano, outras é puramente, vejamos, denso, vejamos, intricado, hum, chato. A conversa, essa escorre sempre bem entre balcões de mogno. É no Liquid, hoje (*)

(*) O autor esclarece que apenas recebe uma mísera cerveja por cada cliente angariado.

T. Rex

O meu carro é um Typenosaurus Rex. Deita fogo pelo rabo. Nunca foi à escola primária porque é o rei dos animais – um rei tem todas as prerrogativas. As suas quatro unhas estão negras de tanto escarafuncharem o alcatrão! O dono dele sou eu.
Muito prazer.

Swiss

Os problemas da companhia aérea Swiss lembraram-me o meu encontro com um dos gurus do design e do estilo, o canadiano Tyler Brûlé. Foi este senhor que criou os novos logos da Swiss e toda a "corporate image". Quem é Tyler Brûlé? Jornalista de formação, foi repórter da BBC e deixou o trabalho de campo depois de ter sido ferido enquanto cobria a guerra do Golfo. As balas, como se sabe, podem levar a grandes decisões e neste caso Brûlé passou a escrever como free-lance para a Stern e a Vanity Fair (muito menos perigoso).
Insatisfeito, Brûlé teve uma visão: criar uma revista "branchée", destinada uma classe mais alta que média, aos jovens urbanos metropolitanos que viajam muito por prazer ou obrigação e que possuem lofts mobilados com móveis de design. Tyler pegou em todo o dinheiro que tinha e passeou-se com algumas maquetes de revista pelos escritórios dos presidentes de grandes marcas, sobretudo na área da moda. Um dia, a Gap assinou um contrato de um ano. E, como diz Tyler, basta que um assine para que Dolce & Gabbana, Armani e todos os outros implorem para estar presentes. O projecto viria a chamar-se Wallpaper. Uma revista revolucionária que já fez discípulos e concorrentes.
Entretanto, Brûlé perdeu a Wallpaper. As dívidas acumulavam-se e foi obrigado a aceitar uma oferta quase insultuosa. Hoje, ao que sei, a Wallpaper está de saúde.
Brûlé criou na Suiça, capital do design, uma empresa de design gráfica e consultadoria de imagem destinada a multinacionais. O seu primeiro cliente foi a Swiss (e segundo a teoria do dominó de Tyler, muitos se lhe seguiram). Tyler chegou à sede da transportadora e disse-lhes que a primeira coisa a fazer era eliminar a cruz: "Como é que vocês querem voar para destinos onde a cruz é odiada arvorando-a numa asa de três metros?". Os dirigentes da ex-Swissair e da futura Swiss não lhe deram razão, mas acharam que Tyler tinha ideias para vender e atribuiram-lhe o "relooking" da empresa.
Hoje em dia, ainda tenho a impressão de que Tyler Brûlé vende vento, chuva e mau tempo sem ter sequer uma formação de meteorologista. Teimoso e arrogante, ele prefere definir-se como motivado e convicto. Até é um tipo agradável quando não se fala de trabalho, mas na verdade, Brûlé nunca fala de trabalho; para ele a vida é um passeio patrocinado por empresas que precisam de gastar dinheiro e porque não fazê-lo numa nova sala recheada de móveis a 100.000 euros? O Tyler tem de certeza uma boa ideia sobre a decoração da sala do CeO e até conhece um antiquário...

Sem carros

Hoje festejou-se com discrição o dia da mobilidade e da cidade sem carro e dos autocarros gratuitos. A iniciativa europeia mais demagógica dos últimos tempos só seria levada a sério se se criassem as alternativas necessárias. Mas não. No Luxemburgo os transportes públicos eram gratuitos, mas não estavam mais cheios que de costume (ou seja, estavam quase vazios). As ruas estavam como sempre, e o trânsito até estava mais lento ao final da tarde porque chovia e os luxemburgueses não sabem conduzir com a estrada molhada (realidade que os aflige 200 dias por ano).
Com o pretexto da mobilidade e do dia europeu sem carro, voltam à praça pública os anti-automóvel. Primeiro ponto na agenda: diminuir os limites de velocidade para 30 km/h nas localidades e 70 nas estradas nacionais (os mais radicais querem também reduzir para 100 o limite das auto-estradas que recentemente passou de 120 para 130). Segundo: proibir o acesso dos carros ao centro das cidades.
Este último objectivo está quase atingido na capital do Luxemburgo. Actualmente, apenas os residentes podem estacionar as suas viaturas na cidade sem pagar e isto por períodos limitados. Os que morarem noutros pontos do país ou os estrangeiros têm de pagar tarifas que podem chegar a mais de um euro por hora.
Os carros correm risco de extinção, embora a WWF ainda não tenha lançado abaixo-assinados, nem o Greenpeace organizado acções de publicidade contra a prepotência das autoridades que me impedem de andar a 200 à hora e que me pedem dinheiro pelo espaço que o meu carro ocupa quando parado. A mim que já pago imenso pela gasolina quando estou em movimento.
Nisto do dia sem carros o exemplo chegou do Porto que colocou barreiras para fechar certas zonas da cidade e que à hora de almoço as retirou para tentar resolver a situação caótica que se tinha gerado nas artérias da cidade.

segunda-feira, 22 de setembro de 2003

Como uns loucos

Hoje o jornal - e o telejornal da 5 de Outubro, esse farol do panorama televisivo, também vai pegar no caso - tem uma notícia macabramente interessante: um tipo meteu-se na A3 (não a que vai para Metz, felizmente, mas sim ali perto de Ponte de Lima) em contramão, andou mais de vinte (20) km em contramão, e espatifou-se de frente contra outro carro, matando-se a ele e aos outros três infelizes. O tipo em contramão, por acaso e apenas por acaso, tinha 73 anos. A BT afirmou sobre o caso que acontecem "esporadicamente" situações com idosos "que se enganam e invertem o sentido de marcha na auto-estrada para depois sair dela". Isso descansa-me, porque eu também só vou esporadicamente a Portugal e logo seria preciso muito azar para que o meu esporadicamente encontrasse o esporadicamente de um velhadas qualquer que me mandasse para o inferno. Ou não era?
Quando eu for velho, velho a sério, é que vou curtir. Cego de um olho, com cataratas no outro, surdo como uma porta de tantos concertos dos Queens of the Stone Age, joanetes nos joelhos, curvado no assento na única posição em que a coluna não me dói, com o cérebro todo esburacado de Alzh... como é que se chama aquela doença mesmo?, incontinente e a cada segundo na iminência de ter um ataque cardíaco, é mesmo nessa altura que eu vou andar a abrir. Ao volante do meu turbodiesel - o último do planeta, nessa altura - vou rir-me do sinal "60" que limita a velocidade na auto-estrada (construída nos anos 1950) em que conduzo, fazer inversões de marcha a cada área de serviço e mostrar o meu manguito às brigadas de trânsito aerotransportadas, ocupadas a mandar para a prisão mais um tipo com bons reflexos, máquina segura e milhares de km no currículo que ia COMO UM LOUCO a 121 km/h. Que é que querem?, eu sou velhote... ganhei o direito vitalício a conduzir, conheço pessoalmente vários políticos, e são as vossas multas que vão pagar o tratamento da minha artrite no hospital de Palma de Maiorca. Obrigadinho.

Farmácias...

Digam o que disserem, eu quero que esta bela cidade, desenvolvida, evoluída e civilizada, tenha o mesmo per capita que o Porto em mesas de pingue-pongue de acesso público. Atenão: abertas ao público! Porque de centros de treino para campeonatos do Inatel não preciso, obrigado. Eu gostaria (não quero; gostaria...) que esta bela cidade, perfeita e generosa, me deixasse meter gasolina quinze minutos depois de começar o cinema. Vá lá! Não é pedir muito...!
Sim, eu sei que há certas actividades lúdicas que não rendem muito e que a gente não anda aqui propriamente para espalhar o bem. E também que a partir do telejornal da RTL só há um tempinho para a digestão, e cama!, que amanhã é dia de trabalho para as pessoas decentes. A partir dessa hora só os vadios andam na rua. Eu sei, eu sei, mas... deixem-me ao menos pedir.

Duas farmácias!!!

Ó meus amigos! Então não há assunto para falar da nossa querida cidade de acolhimento (termo que neste caso deriva de colh**s)? Tomemos, por exemplo, sábado à tarde. Pouco depois das 13 horas. A cidade fervilha. Buliçosa, placa giratória da Europa, coração do novo continente, a cidade oferece, a habitantes e turistas, duas farmácias abertas. Quê?! DUAS?!, espantam-se os meus amigos. Tantas?! Sim, sim: duas! Uma lá prá fronteira norte, paredes-meias com Walferdange, para os que gostam de ir ao campo comprar uma aspirina, e outra em pleno ventríloquo esquerdo - zona de peões, sem escapes de automóveis (nem outros escapes), saudável portanto. Ou seja, para resumir: ou vais até aos pés da cidade ou, se preferires tomar a aorta deste centro nevrálgico da civilização, tens de procurar, primeiro uma rua que dê acesso, depois um parque de estacionamento que esteja livre.
Os idosos e outras pessoas com dificuldade de movimentação que só querem um xarope pó catarro ou outra mariquice do género? Bem, esses... chamam os "suãs ó dumicile". E pagam o medicamento, a taxa de serviço especial e a deslocação. Pois... Ou não é preciso estimular a economia? Favorecer a criação de serviços? Dar um empurrãozinho à iniciativa privada, cuá! Também este comentário é uma iniciativa privada e este blogue existe para a estimular...

domingo, 21 de setembro de 2003

RTPorto

Eu até sou do norte e tenho uma costelazita regionalista, mas os serviços de notícias das 13 horas provocam-me urticária todos os fins-de-semana. Será que o jogo Porto-Benfica de hoje merece abrir o jornal (talvez) e uma reportagem de vinte minutos (de certeza que não), com entrevistas a velhas glórias do tipo documentário sobre o velho estádio das Antas? E sete minutos depois, um bloco de desporto onde se regressa naturalmente ao tema durante mais doze minutos doze!
A indigência dos serviços de informação da RTP é assustadora. A falta de profissionalismo e bom senso preocupante. No Porto há que acrescentar aos defeitos de quem faz televisão um provincianismo flagrante (porque não dizê-lo, ainda que me doa?). Ou será que a RTP da cidade invicta responde à crítica que reflecte apenas os desejos dos espectadores nortenhos? Não quero acreditar que no norte o fanatismo futebolístico exija estes bónus do serviço público de televisão, mas se for verdade tenho pena.

sábado, 20 de setembro de 2003

Ikea.

Uma das coisas boas de viver no Luxemburgo é ter sempre um Ikea pertinho de si. A industrialização e a supermarketização do mobiliário ofereceu-nos Ikeas, Habitats e outras marcas escandinavas que por acaso nem sempre o são. A declaração feita em The Fight Club, em que a personagem Tyler Durden implora "Deliver me from swedish furniture", não tem muitos seguidores no Grão-Ducado onde vivo.
Vão-me responder que é por falta de outras actividades "mais culturais". Mentira. Pego no exemplar desta semana da revista Nico e detecto pelo menos três coisas boas para fazer esta tarde (de que me vou pessoalmente abster).
Depois vão-me dizer que as lojas luxemburguesas de móveis são caras. Verdade. Mas procurem em Portugal uma loja equivalente (digamos a Interforma) e espantem-se ao descobrir os mesmos preços que nos móveis Bonn.
Já perceberam que eu não gosto de móveis. Pois não. Gosto é de espaço. E os móveis apropriam-se do meu espaço, dos meus pedaços de chão, da minha "carrelage" na casa de banho e do soalho da minha sala.
Agora se me permitem tenho de me ausentar. Vou com o Filipe a casa da minha ex buscar uns móveizitos que lá deixei armazenados desde que nos separámos.

À procura de um registo

O facto deste blogue incluir o nome de Luxemburgo no título impele-me a falar deste plat pays que é o nosso (salvo seja). Mas não consigo; talvez isto por aqui ande pouco entusiasmamente, ou talvez demasiado privado para publicitar, o facto é apetece antes falar de outras coisas, divagações que não parecem caber aqui tão bem. Mas até cabem. Procuro ainda o meu registo neste jornal de parede. Mas hoje não, é sábado, dia de Ikea, portanto...

sexta-feira, 19 de setembro de 2003

Cuidado com as curvas

(esta é uma resposta à resposta do Pavão ao texto Conteúdos) Nas esquinas da vida acontecem as coisas mais enigmáticas, nelas surgem as surpresas mais insofismáveis. Não se sabe bem porquê, é precisamente nas curvas que tudo acontece, desde a morte do Senna à saída de órbita das naves espaciais — é numa curva apertada do corpo que o sexo desponta... A curva é conhecida desde que o homem seguiu o rasto dos limites do seu próprio braço, mas o que está por detrás dela continua sendo uma incógnita. Sabe-se apenas que ela é democrática, tanto esconde desassossego aos afortunados como fortuna aos desassossegados. Por isso, também o Pavão não está imune a esse cortinado de bordel, também ele poderá deparar-se com mau cheiro do lado de lá de cada curva da vida. Assim, mal retire o chapéu para quebrar a espinha a um maldito piolho, com a unha afiada do mindinho da mão direita, e já a grande curva da sua vida lhe revelará, imensa, a salvação do caminho.

Conteúdos 2

Se a gente tiver um micro-ondas (os eruditos escrevem microndas e os erucujos escrevem microondas, porque cada artolas escreve como lhe dá na gana)... Vamos lá então ao que interessa: se a gente tiver um micro-ondas, não faz sentido ter um micro-ondas vazio, quieto. Com a luz apagada, sem o pratinho a andar à roda e sem fazer zzzz-zzzz-zzzz, um micro não é ondas nem é nada. Pode-se pôr no chão que ele não serve nem para ver coisas requentadas (como a gente vê nos primos deles). É um caixote sem função, sempre à espera de ser e sempre desiludido por já ter sido...
«Ó Zéééééé! Chega aí um telejornal fresquinho»

quinta-feira, 18 de setembro de 2003

Conteúdos

Quando ameaça chover, as pessoas levam um guarda-chuva com elas para a rua. Quando não há pão na torradeira, as pessoas procuram no cesto do pão. Tem sentido. Se um cinzeiro está cheio de beatas e de cinza, esvazia-se, e assim se descobre a verdadeira função daquele pedaço de vidro, de porcelana ou de plástico. Que não teria sentido vazio. Todavia, as pessoas teimam em voltar a pô-lo na situação em que não faz sentido uma minibanheira sem recheio. Porque parece ser o conteúdo que justifica a existência. De uma forma, de um volume... Para que lado estão virados os conteúdos? E de que lado é a frente e a traseira, o futuro e o passado, o claro e o escuro?
«Ó Zééé! Chega mais aí um uísque simples»

quarta-feira, 17 de setembro de 2003

Telefime 2.

O post que os queridos ouvintes podem ler abaixo sob o título Telefime inspira-me muitos comentários. Acho que nunca estive tão longe das declarações de ninguém (exceptuando aquela vez em que o Mourinho disse que o Porto era o maior, ou quando os fãs de Ayrton Senna defendiam que ele era o melhor a curvar). Ó Zero, sabes o que é que eu comprei quando cheguei ao Luxemburgo? Um sofá-cama e uma televisão. Aluguei um apartamento ao nosso amigo Lopes da Batiroyal (passe a publicidade) que só tinha cozinha equipada, ou seja, faltavam todos os outros móveis. Apressei-me a comprar no Möwo (passe a publicidade) um sofá-cama que ainda hoje conservo e no mesmo dia fui à Hifi International (passe a publicidade) pedir ao Casanova que me encomendasse uma Bang & Olufsen (passe a publicidade).
Como é que alguém pode comprar um mesinha desdobrável no Hornbach (passe a publicidade) antes de se preocupar com a televisão? Não sabem que há televisões com pernas? E que a televisão também se pode colocar no chão? Como é que alguém pode viver com a principal janela para o mundo fechada? No tempo em que eu comprei a minha Bang (passe a publicidade) nem sequer havia internet, os jornais de Portugal chegavam aqui quase sempre no dia seguinte e não existia a RTPi. O mundo era muito maior. Mas se eu não tivesse a minha Bang (passe a publicidade) não teria nunca consciência de que o meu mundo era mínimo...

Noir Désir.

Estou farto de ouvir falar da morte de Marie Trintignant. Era uma actriz que sempre achei simpática, mas nunca a coloquei em nenhuma galeria especial de actores franceses. As trágicas circunstâncias da sua morte permitiram-lhe uma projecção mediática póstuma inédita. Bertrand Cantat, o vocalista e líder do grupo Noir Désir, preso num cárcere de Vilnius, é objecto de todas as análises na praça pública. Amigos, jornalistas, colegas de ofício, todos são chamados a testemunhar sobre Cantat, sobre Trintignant e sobre a (curta) relação que o cantor e a actriz mantiveram.
O que me irrita não é que se fale deste caso. A violência doméstica - parece-me que é disso que se trata - é um flagelo que começa a conhecer as páginas dos jornais e a despoletar reacções dos políticos que buscam (difíceis) soluções. O que me preocupa - e, porque não dizê-lo, irrita - é o ar surpreendido, "abassourdido", dos comentadores que se espantam com o facto de um homem moderno, rebelde, "que sempre integrou os ideais de Maio de 68", seja capaz de espancar a namorada... até à morte. "Bertrand Cantat lutou pela causa palestiniana e bateu-se no mar alto com os activistas do Greenpeace", disse uma jornalista do Le Monde. "Cantat era um homem de esquerda, que desempenhou um papel importantíssimo na luta contra Le Pen, o que surpreende ainda mais que tenha feito isto", disse um outro comentador.
Fiquei assim a saber que só os homens de direita batem nas mulheres. A amálgama entre a ideologia e a conduta social, ou a participação neste ou naquele movimento, atinge pontos altos no caso Cantat-Trintignant. E isso aflige-me, preocupa-me, a mim, que nunca me considerei de esquerda. Eu, sou, só por isso, suspeito à partida de todas as maldades do mundo, da violência doméstica à poluição dos mares e florestas. Eu que até separo o vidro, o papel e o plástico sou um culpado ideal para acusar de transgressões diversas; menos da droga porque essa ilegalidade imposta está reservada a uma esquerda sapiente.
Se um dia tenho o azar de perder a cabeça e pôr um olho à Belenenses à minha miúda não haverá quem me valha. E certamente que até encontrarei quem diga: "Desse cabrão machista não se esperava outra coisa; a vizinha até disse que tem ideia de o ter visto num comício do PP!".

sexta-feira, 12 de setembro de 2003

Telefilme

Dizia-me recentemente um amigo que a actividade - elevada a desporto nacional do Luxemburgo - a que se tinha dedicado nas passadas semanas, mudar de casa, estava praticamente terminada. "Agora que encontrei a mesa desdobrável no Hornbach, só me falta uma televisão e está feito."
Uma televisão? Para que quer ele uma televisão?
Esclareçamos: vídeos e leitores de DVD não entram na equação e o rapaz é grego, o que, nem sequer sendo culpa dele, tem a grande vantagem de o libertar do mau-olhado que é ver a RTPi.
Quando ele disse isto as palavras saíram-me em catadupa. "Não compres uma televisão, estão muito caras." "Se não tiveres televisão sais muito mais, convives" "Aposto que tens lá livros que nunca leste e..." "Não há nada mais castrador de uma soirée a dois que uma televisão". Claro que não acredito em nada disto. O que eu realmente queria era poupar o meu amigo à indigência que é a televisão "luxemburguesa" - ou antes, aquilo que podes ver no teu ecrã se vives por aqui. Basicamente: podes ver o que te mandam, porque não podes escolher quem te mete o cabo. É o cabo dos trabalhos encontrar algo de jeito para ver se, ao fim e ao cabo, cabe aos oligopolistas dividir entre si os clientes, atirando-lhes à laia de atenção os mesmos estafadíssimos canais franciús e boches de há 30 anos. Não tem cabimento. Só levando a cabo uma revolta de cidadãos teledependentes seria possível mudar o actual estado de coisas, mudando de cabo a rabo a deprimente paleta de canais à nossa disposição.
As parabólicas, diria o leitor, poderiam por seu cabo constituir solução, mas na prática isso não acontece. Sendo bem difundida a tendência daqueles que têm um minúsculo poder para abusar dele ao máximo (os vigilantes privados são de tal o exemplo clássico) e conhecidos os desvios autoritários dos nossos con-habitantes, não há neste canto do planeta prédio, casa, vivenda ou pardieiro que não proíba expressamente, qual Kim Jong-Il, o emprego desses diabólicos engenhos que poderiam eventualmente pôr mentes ainda impreparadas em contacto com bons canais de filmes, desporto ou f*da... Assim, o pé-de-meia das famílias Reiter, Frieden ou Polfer fica salvaguardado, os putos, subversivos como só esta juventude sabe ser, deliciam-se com o 696.º episódio do "Friends" e os tugas podem manter o contacto com as suas raízes bailando ao som do rancho folclórico que está a bater.
Os Pulp, aqueles de Sheffield, devem ter passado alguma vez pelo Luxemburgo: "A minha vida tornou-se uma ressaca sem fim. A movie made for tv: bad dialogues, bad acting, no interest. Too long with no story and no sex"
O meu amigo grego já comprou uma televisão.

quarta-feira, 10 de setembro de 2003

É UMA P*** DUMA IMPERIAL QUE TU QUERES???

A verdade é que tenho uma mania, simples de explicar: quando me ausento algum tempo da minha cidade, no regresso, esforço-me por almoçar com um autóctone que tenha estado presente durante o meu afastamento.
A última argolada do Rui Rio, as últimas dez contratações do Benfica, as últimas queixas dos Sporting, os últimos dez grandes acidentes na VCI (por questões de tempo, limito a dez)... Enfim, há toda uma check-list que percorro religiosamente e que me permite rapidamente recuperar o tempo perdido durante a ausência.

Imaginem a cena: sexta-feira, hora de almoço, boa casa num dos históricos snack-bares da invicta. Sentado ao pouco cómodo mas prático balcão, diagonalizei a lista por uma questão de curiosidade académica (arroz de pato como prato do dia??? poupem-me!!) admitindo a crítica da minha voz interior que me dizia que o Convívio não é o melhor sitio para se comer a mítica. Depois de três semanas fora do burgo, um Fase a abarrotar e o Zé sem mãos a medir, às duas e meia da tarde e só com um pequeno-almoço da Luxair no bucho desde as oito da manhã, qualquer mortal com um QI acima da décima tomaria a mesma decisão.

Mas vamos ao naco: estava eu na fase "Mas os gajos foram mesmo gamados?" (leia-se: mas o palhaço do Dias da Cunha continua a beber ou quê?) quando, inoportuno, surge o empregado que nos saiu em sorte. "E p'ra beber que vai ser?"
Quando se está prestes a embarcar numa das maiores aventuras sensorio-gastronómicas a nível mundial, acho a pergunta perfeitamente desnecessária, ofensiva até.
Disso lhe dei conta e disparei: UM FINO!
Eis senão quando, o meu conviva (nado e criado na minha cidade, para que conste) dá-me o maior soco no estômago de que há memória, depois da derrota na final de Basileia: "É, para mim também pode ser uma Imperial!"

COOOOOOOOOOOOOMMMMMMMMMMMMOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO???????????????????????????

Atarantado com o choque ainda duvidei:
- Desculpa, o que pediste para beber?
- O mesmo que tu, uma Imperial!

E aqui, caros blogers, confesso que perdi a cabeça!
O mesmo do que eu????
Então queres ver que o tipo tem a p*** da lata de dizer que um fino e uma imperial são uma e a mesma coisa???
Mas então isso quer dizer que vou ter que deixar de tomar um cimbalino e uma nata e vou ter que (com voz de homossexual afectado) pedir "uma bica e um pastel de nata, se faz a fineza"???
Abdico de um galão a acompanhar a clássica torrada ???
Será¡ que o meu pequeno almoço passará a ser uma sandes de fiambre e um garoto???
E no trânsito, prescindo do "Ah! meu ganda F*** da P***" e passo a limitar a minha intervenção colérica a um "Olha m'este patife" ????

Amigos, se a resposta a uma (SIM, A UMA) destas questões for afirmativa, tenho-vos a comunicar que ficam desde já lançadas as bases para o F.O.D.A.M (Frente Operacional de Defesa do Ataque Mouro).
E digo mais: quem não estiver comigo, está seguramente contra mim!

PS: para os que ainda não sabem de que cidade falo, desconhecem o que é uma mítica, pensam que o Fase é um bar de alterne e o Zé o seu porteiro, não perceberam de que clube sou ou não sabem o que é um cimbalino; tenho uma pergunta a fazer:

É UMA PUTA DUMA IMPERIAL QUE TU QUERES???


Anarqa

Convidaram-me para participar num blog que muito orgulhosamente em dialecto tuga se chama Luxemburgo Oficioso. Nada que se pudesse adequar mais à minha criatividade à margem das regras (senão, como explicar o exótico q em vez do vulgar c ou mesmo do piroso k?), agora que saí da República dos Brandos Costumes para vir parar ao Grão-Ducado da Puritana Moral. Apesar disso, não fosse a localização geográfica e seria capaz de jurar que vivo nos antípodas da minha imbicta natal. Como compreendo esse tal de RR quando diz (e passo a citar, já que não poderia ser melhor resumido) "Aquilo que nas ruas do Porto me enerva no Luxemburgo-City faz-me falta". Mas não me interpretem mal, estou apenas a exorcisar os meus medos. Nunca vivi no interior e muito menos num sítio onde o sol brilha quando o rei faz anos (perdão, o Grão Duque). Mas a verdade é que prefiro aqui estar e acredito que o futuro será mais risonho a partir da nação-burgo (o optimismo ingénuo sempre foi uma das minhas melhores qualidades). E por isso quero sentir essa tão falada calidade de vida e, como diz esse tal de Pedro Alves, conhecer-lhe os pais, as primas, o cão e, sobretudo, a casa de férias. Claro que isso não será muito difícil já que isto tem menos de cem mil habitantes e todos os dias vejo as mesmas caras na rua, caras que até já conheço do ano passado (não estou a falar das caras da máfia portuguesa, obviamente, essas caras não estava à espera que mudassem). Pensando bem, a diferença não é assim tão grande para quem anda duas horas por dia a atravessar a cidade do Porto de autocarro. Enfim, vou seguir o conselho desse tal de Zero 7 e arranhar a superfície para ver o que acontece.

Como disse Woody Allen quando um dia lhe perguntaram o que achava do Luxemburgo, "Não só Deus não existe mas tentem lá encontrar um magasin aberto depois das 19h"

Flash Mobbing

Há quem sustente, e o Fagundes é talvez o mais ilustre desta linhagem, que o Luxemburgo não é mais que uma cidade de província onde, por definição, nunca nada se passa.
Nada mais falso, ou antes, a implicação formal está inquinada. Nas cidades de província como esta, o que é preciso é arranhar a superfície para descobrir o que está por baixo. Debaixo dos paralelos há praias, ou por vezes formigueiros insinuantes.
O novo fenómeno urbano chega aqui este sábado e nem sequer demorou muito a ser importado. Chama-se Flash Mobbing e basicamente consiste em reunir num sítio público uma multidão absolutamente conjuntural, que durante 10 ou 15 minutos leva a cabo um qualquer tipo de acção não ensaiado e depois dispersa rapidamente, antes que as perguntas comecem a ser demasiado insistentes. Não está envolvido nenhum tipo de afirmação política, pelo menos não no sentido estrito do termo; é um puro acto de patetice "for having fun". E o primeiro no Grão-Ducado é daqui a três dias à tarde. Eu não sei, mas não estou a ver um sítio que não a Place d'Armes; os outros ainda têm menos gente. Se quiser fazer futurologia, aposto que os pioneiros deste efémero happening (efémero porque daqui a poucos meses vai estar completamente passé...) vão divertir-se à grande, que alguém vai tirar uma ou duas fotos engraçadas e que a polícia vai estar muito convincente no seu habitual papel de desmancha-prazeres. E rapidamente o trânsito nesta metrópole vai retomar o seu curso normal, como nunca nada se tivesse passado.
Para participar visita o muito informal www.luxflashmob.com . Vêr-nos-emos lá no sábado (eu sou polícia).

Burgues do caraças!

Toda a gente sabe que o meu amigo Fagundes é um ser irascível. Sobretudo quando o contrariam. As estradas têm de ser vias férreas, os relógios têm de ter ponteiros manuais, as regras têm de seguir os limites do seu esqueleto. Já se sabia isso. E há muito tempo. Pelo menos desde que as caixas de previdência inventaram o cinto de segurança. Mas não se sabia que uma série de obstáculos, colocados sem prévia consulta popular, que apenas bloqueava as artérias do centro da cidade, ia provocar no meu amigo Fagundes um desabafo tarzanístico: "Pooooorra!".
O episódio não seria meritório de escavação sociológica, nem profunda nem ligeira, se o meu amigo Fagundes, que é um ser irascível quando o contrariam, não tivesse interpelado «o palhaço que tava ali com um oquitóqui colado ao focinho a dizer não sei que parvoíces» a outro, certamente palhaço e com focinho, que estaria, certamente com idêntico aparelho, a ouvir e, certamente, a retribuir idênticas babujices. O desgraçado limitou-se a acenar com a cabeça e a encolher os ombros, o que mais enraiveceu o nosso irascível amigo: "Tás a ver como eles são palermas? É o que te digo - isto é uma cidade de província... Isto é pior que Águeda!"
Talvez a polícia tenha fechado as ruas tendo em conta a afluência de pessoas no último dia da feira no Glacis. Se calhar vai haver fogo de artifício, sabe-se lá. "Pois é, os provincianos. Há feira na Covilhã e todos os parolos das redondezas vão à feira. Há festa na cidade e já não se sabe fazer outra coisa. Os bares estão às moscas, os concertos idem-idem... Algum gajo te convidou para alguma coisa hoje?"
Para um cidadão evoluído, mas esquecido de que vive numa cidade de cem mil habitantes, com as consequentes fraquezas sociais, não há razão nenhuma para que os bares estejam desertos numa segunda-feira à noite. "Quais vantagens?! Claro que numa aldeia é mais fácil meter todos os livros na prateleira. Numa aldeia arruma-se tudo; até há lugar para um novelinho de pó!"
Não viessem é, agora, obrigar o meu amigo a esbarrar em todas as ruas do centro, a fazer meia-volta, a bufar num trânsito mais caótico que o costume porque perdido, a pedir licença a automobilistas mais abéculas que o costume, a gastar gasolina, a fazer uma vooooolta do caruncho para... ir para casa! Ele só queria ir para casa, estava a borrifar-se para a actividade cultural que encerrava em Limpertsberg. Ele só queria chegar ao bergue mais acima, ao Duoutroladodaponteberg.

terça-feira, 9 de setembro de 2003

SMSófetichismo

O meu telemóvel tem espaço a mais. Quando alguns engenheiros finlandeses decidiram que eu precisava de capacidades para guardar fotos que nunca tiro e jogar jogos que nunca jogo, artilharam-me o engenho com espaço em disco à bruta que agora me permite guardar centenas de SMS recebidos e enviados. É desastroso. Um ou dois toques nas liliputianas teclas e logo me saltam à vista pedaços ainda em carne viva da minha existência recente, a maior parte dos quais preferia (e até já tinha conseguido) ter esquecido e muitos dos quais preferia ter realmente vivido em vez de escrever "Tb acho k és fish".
Não contente com manter o que recebo, a máquina também insiste em guardar as inanidades que envio. Mas quem foi o animal que usou o meu telefone para escrever isto a esta gaja horrenda? Pois é, fui eu. O telefone é ainda mais rápido - e cru, porque nem temos direito ao olhar de compaixão - a atirar-te à cara os teus erros e omissões que uma tipa rancorosa.
Mas há pior. É quando esta arma poderosíssima cai nas mãos erradas. Não tenho dúvidas, as saudosas coscuvilheiras ficaram todas out of business: o telemóvel é ímpar em contar a coisa errada à miúda errada no momento errado e fá-lo muito mais barato que a boca humana. Podia haver uma opção qualquer "edit profile" que permitisse mudar o nome do remetente consoante as conveniências, mas nada; os escandinavos são tipos aborrecidos, os finlandeses, como todos sabemos, são pouco faladores. É mais provável que os novos modelos incluam uma capa anti-congelante para os lábios que uma opção de password para SMS.
No meio de tantos perigos, porque insisto em manter uma colecção tão representativa das minhas idas e vindas? Era bastante mais zen apagar tudo... Mas não posso. Não passo de um fetichista autocontemplativo e há poucos momentos melhores que, enquanto esperamos algo ou alguém, passar em revista a memória cache, aquela que despoleta tantas outras memórias. Masoquista? Quem, eu? Se só guardo umas 40 mensagens de cada vez... e até conheço outros que navegam por entre 200...

segunda-feira, 8 de setembro de 2003

Higiene mental

Já não me lembrava o que é isso de escrever. A culpa - "culpa" pressupondo que eu ter deixado de fazer associações de palavras é algo de mau, o que para presunção já é um começo - atribuo-a, obviamente, ao Luxemburgo, na falta de melhor candidato. Afinal de contas, foi esse tipo, esse tal de Luxemburgo, que me ocupou, preencheu, sensibilizou, apaixonou e divertiu; já tinha experimentado isso tudo antes (certo, a parte do apaixonar é discutível...), mas sempre em doses regradas que não corriam o risco de fazer perigar os meus tempos de devaneio em frente a uma minimalista folha de papel pautado.
(É sempre uma boa imagem, a da folha de papel. Intimista, misteriosa mesmo. Com alguma subtileza é mesmo possível levar o leitor a nostalgiar sobre o bico da caneta de tinta permanente deslizando aveludadamente, num gesto cheio de destreza que enche a brancura do pergaminho com riscos sexy de tão entrelaçados. O mais curioso é que esses tempos nunca existiram e toda a gente que é gente, se alguma vez escreveu alguma coisa de jeito, foi num teclado inglês em frente a um ecrã de 10 polegadas)
E depois também cresci (para os lados, claro, porque como pessoa, bem, já vou perdendo as esperanças). Mas o facto é que a minha massa corporal, mesmo medida em libras, seguiu o mesmo processo que a dívida pública portuguesa - incremento na ordem dos dois dígitos. E isso não ajuda nada a escrever, mesmo nada: enganar o estômago com uma linhas de prosa é um dos truques mais velhos do mundo, apenas a seguir a rapar o cabelo quando as entradas começam a ficar exageradamente grandes. Todos os grandes escritores eram magros, alguns que levavam a profissão mais a sério eram mesmo esfomeados e uns certos predestinados usavam os ossos do ofício como guia de viagem - como Orwell e o seu "Na miséria em Paris e em Londres". A opulência não inspira. Nenhum dos grandes mestres frequenta assiduamente o Goodfriend, ao que se saiba - e não obstante convicções em contrário.
Vou entrar nessa luta. Não, não a luta do peso - embora hoje em dia já ataque menos sobremesas, a única luta do peso que estou habilitado a travar é Sumo - mas a luta da escrita, a peleja constante que é alinhavar fileiras de caracteres convencionados previamente. Se não for por mais nada, então que seja porque escrever é uma magnífica, talvez única forma de ordenar e seleccionar pensamentos, valorizando o que deve ficar e sobretudo expelindo o irrelevante. Se a higiene do corpo é diária, então que a da mente também o seja - e que este blogue se torne uma requintada e marmórea casa de banho.

Manhãs de Setembro

O pior dia no Luxemburgo é o domingo. À tarde, porque não faço ideia como são as manhãs já que não as frequento há uns tempos. Se o domingo for de Setembro é pior ainda. Começa a chuva e então a incerteza de que o Verão acabou desaparece perante as provas dadas pela natureza que se esmera em gotas grossas, relâmpagos e temperaturas abaixo de 10 graus.
Os domingos à tarde no mês de Setembro dão vontade a qualquer um de emigrar. (Não percebo como há gente que está apaixonada por este país ao ponto de lhe chamar nome de mulher). Um dia destes emigro. Como dizia alguém (que não merece sequer ser citado num blogue, mas que - há que reconhecê-lo - disse algumas coisas acertadas), sempre que se muda de país muda-se também de classe social. Esse é o meu receio. Mudar para baixo. Ainda há umas horas diziam na televisão francesa que os vendedores das melhores boutique de luxo de Paris, nomeadamente na place Vendôme, ganham bué de pasta; e quantificaram: "pelo menos 1.500 euros". Ou seja, o ordenado mínimo de qualquer vendedor com contrato aqui no nosso Grão-Ducado quentinho e confortável e onde sabe bem viver...

domingo, 7 de setembro de 2003

A LUX

Sempre mantive uma boa relação com o Luxemburgo.
Seis anos depois de termos sido apresentados, e socorrendo-me da preciosa ajuda de amigos comuns, o Lux é uma boa amiga! É verdade, vejo o Lux como uma mulher... Não sei se por ter passado com ela tantas noites esplêndidas, se pela sua complexidade tão feminina, o facto é que para mim o Lux é “A” Lux! Preciosismos de linguagem dirão alguns... Não! Faz toda a diferença!!
Para os que me conhecem menos bem, passo a explicar (ou em bom português: “É assim”): não existe para mim, com uma ou duas excepções que obviamente confirmam a regra, such thing as “boas amigas”.

As mulheres divídem-se em dois grupos: as interessantes, em que – no cenário ideal - a amizade é uma fase transitória entre os dois beijinhos e a cama, e as invisíveis.

Das invisíveis, por definição, não reza a história.

A Lux está claramente no primeiro grupo, mas depois de 6 anos de romance com altos e baixos, como em qualquer boa relação que assuma o adjectivo, ainda não passamos à relação física. Tenho uma “pessoa amiga” que diz que quando se passa a essa fase “carnal” se parte a fina bola de cristal que normalmente proteje o lado romantico e apaixonado das relações.
Em 99% dos casos estaria visceralmente em desacordo (por razões mais do que óvbias) mas neste sou obrigado a concordar...

A Lux tem piada porque não vivo com ela, porque só a vejo um par de vezes por ano, porque se calhar ainda não tive oportunidade de a conhecer também nos seus defeitos. Mas também é verdade que ela não é uma mulher qualquer; vocês sabem que há raros momentos na vida em que, contra todos os príncipios que nos regem e que são do mais sagrado que temos nesta vida de “gajo”, temos vontade de conhecer os pais, os irmãos, os cães, gatos, canários e até os amigos dela!
Confesso: estou nesta fase...

Ou como diria um bom amigo meu: "Tás fodido, tás apaixonado!".
É... Se calhar estou... E depois?

Primeira Noite

Sempre tive uma boa relação com o Luxemburgo.
Vêmo-nos um par de vezes por ano e reencontramo-nos sempre com a sensação extranha de que a despedida fora na véspera, a mesmíssima sensação que temos só com os grandes amigos.
Tudo começou há uns 6 anos (embora haja quem diga que há mais) e que melhor porta de entrada que a Gare?
Cenário: fim de dia, Gare com a fauna costumeira de qualquer Gare que se preze e dois amigos à minha espera. Confesso-vos que não foi amor à primeira vista, mas se calhar o corpo estendido no chão e a ambulância histérica não ajudaram muito a quebrar as inibições típicas do início de qualquer relação...
Avançamos: da Gare ao Fort Wedell são meia dúzia de passos, aproveitados para um primeiro contacto com os néons vermelhos que iluminavam a passagem. Foda-se! - pensei eu em bom português - esta merda é só putas e drogados...
Então e os bancos? Então o PIB per capita mais alto da Europa? Então e o recato que se espera de um país com fortes influências alemãs?
Generosamente acolhido em casa de amigos, estas questões foram embalo para a primeira noite em solo Gran-Ducal... Se calhar era a falta de luz, ou uma espécie de nuit-blanche do bas-fond local... se calhar hoje foi a noite mais animada desde a invasão alemã!
É isso, vais ver que amanhã até vais ter vergonha de andar com os teus jeans rasgados!!!
(continua)

sexta-feira, 5 de setembro de 2003

Bi-females this way - part 2.

Fui às compras. O meu amigo é um porreiro; gosta de pagar cafés a torto e a direito. Ó pá, não posso por causa da vesícula. Passa a sumo. Foi um sumo natural nos Doces d'Avó. A empregada brasileira disse "São seti euro". Paguei com dez e meti os três no bolso a pensar em dá-los ao arrumador à saída. As gajas do Península são poucas mas às vezes boas. Raramente, porque como as escadas rolantes são longas tens tempo de lhes encontrar defeitos. Por isso demoramos pouco no primeiro andar. Eu tinha de mijar outra vez. Desde que bebo muita água - doctor's orders - que tenho de procurar casas de banho quase de hora em hora. Entrei. Numa das sanitas alguém fazia um barulho esquisito. Ouvi um isqueiro, uma respiração ofegante. Deixa-me lá mijar depressinha. Nesse momento entraram dois tipos com mau aspecto: "Ó Paulo, tás aí?". O Paulo disse: "Ou!". Eles esperaram. Olharam-me durante uma fracção de segundo e decidiram pentear-se; sem remédio. Pensei em estratégias de defesa. São uns drogados fraquitos que podia despachar com uma joelhada nas virilhas, ou mijar-lhes nas pernas. Será que isso os incomodava? Oh! Um deles é o arrumador. Esvaziei a bexiga e virei-me para os lavatórios. "Você estava lá em cima há bocado a arrumar carros, não estava?". "Ieue, num me parece ó chefe". "Olhe lá porque é que se põe a gritar "Bi-females this way?". "Bocê num sabe inglês pois nãoe?". "Sei, mas não me parece que seja propriamente a coisa a dizer quando se está a arrumar carros...". "Females é gaijas, num é?". "É". "This waye é práqui, num é? Intom, eu estou a chamar as gajas a parar nos meus lugares, man. As bifas acham sempre muinta graça e até me dom moedinhas de lá da Inglaterra". "Mas você diz também bai, e isso em inglês é bi. Tá a ver? Bi-females são mulheres bissexuais". "E isso é o quêe, ó cuócuó?" perguntou o amigo meio irritado com o interrogatório. "Aqui o Zé diz o que lh'apetecere e num tem que traduzir nada, oubistes? Agora lava as mons que já mijastes".

Bi-females this way!

Gritou o arrumador da rua da Meditação. O lisboeta que me acompanhava disse: "são o máximo estes portuenses com os seus bês bem marcados... ele disse bai aonde?". Não lhe respondi. Ainda me estava a interrogar porque é que um arrumador da rua da Meditação falava inglês e ainda por cima gritava "Bi-females this way". Entrei para o parque do Península e fiquei a pensar naquilo. Fazem falata os arrumadores no Luxemburgo. Aquilo que nas ruas do Porto me enerva no Luxemburgo-City faz-me falta. Arrumadores à porta do parque do Capucins a encaminhar os carros para a zona de cargas e descargas em frente à Cinemateca. Arrumadores a mandar estacionar gente em frente ao Audace e a foder os lugares aos táxis. E quanto é que se tinha de dar a um arrumador lux? Em Lisboa e no Porto já me aconteceu de dar um euro... aqui tinham de ser dois no mínimo. Ou uma nota se ficasses lá parado muito tempo ou ele tivesse cara de croata psicopata. E será que alguma vez um arrumador croata gritaria "Bi-females this way"? Porque raio o faria? E porque raio este tipo atarracado e aciganado o fez?

Doméstico faustino

O Faustino é um dos meus colegas de trabalho. Não tem descrição porque é um envelope; ou seja, um rectângulo ordinário de medidas ordinárias com uma abertura por trás. A sua história há-de ele um dia contá-la, se se lembrar de alguma coisa digna de referir e se nessa altura não lhe faltarem os termos adequados. Quanto ao resto, é uma figura muito rica e sumarenta — podíamos estar horas perdidas a falar dele. Mais do que do Gastão, de resto também de uma plasticina peculiar.

Colegas com o faustininho procuram-se desesperadamente e é raro encontrarem-se. Sempre presente nos momentos em que o que mais queremos é não ter que olhar para a sua irrelevância, e sistematicamente ausente quando a hora é de bater no bombo. Ainda há dias me entrou pelo gabinete, com o cigarro na mão teimosa de outro, para expressar, com o pesar que acompanha todos os silêncios, um certo descontentamento. Não pude ajudá-lo no diagnóstico porque desconheço os medicamentos que toma para aquilo de que padece. Era evidente que se tratava de um momento solene, senão ele não teria trazido aquela camisa nas cores da moda que vêm nas revistas que a esposa compra.

Não é novo que a maleita dos indivíduos, como este meu querido colega de trabalho, se transmite de geração em geração. O pai havia sido um ser desconhecido e da mãe não há mais registos que do pai, de maneira que fica provada a transferência hereditária das alterações de humor sem razão aparente. Os colegas condescendem, eu mais do que ninguém, e por vezes aceitam mesmo trocar o faustininho por companhia mais interessante do ponto de vista sanitário, indo varrer as nódoas estéticas que têm na retina para o convento ali mais abaixo.

O Faustino tem outros métodos para abordar a existência. Não lhe cospe em cima mas aceita que o façam à sua, se ele não estiver por perto. Não desdenha um sorriso nos dias em que se espera que se afaste de tudo o que é vivo e são, e até parece que compreende. Parece, não, compreende mesmo. De facto, o Faustino tem um entendimento assaz normal, absolutamente dentro da média da sua própria graduação, e projecta nos que o rodeiam o sentimento de que pertence ao mesmo naipe. Dentro dele deve existir uma fórmula que lhe permite transferir qualidades para o seu jibão sem ter que retirar propriedades à matéria de origem, porque é-lhe fácil — e fá-lo com alguma graciosidade — admitir a inevitabilidade do sucesso em todos os seus empreendimentos.

Dócil como ele não há. Basta dizer-lhe ó Faustino tá calado que ele pára imediatamente de dizer asneiras, embora reconhecendo que tinha mais algumas prontas a sair. Ficam para a próxima, promete sempre. Cidadão da grande época do lixo em saquinhos de plástico — embora eu ache que ele é mais significativo como produto da geração do muito lixo em pequenas doses —, tudo quanto dizia ou mostrava era em extractos, em pedaços, em talões cujo bilhete respectivo ficava cativo do seu interlocutor. Quer dizer, uma postura perante a sociedade como qualquer outra postura, talvez mais recatada e modesta mas nem por isso menos permeável a influências.

Apesar de tudo, o Faustino era doméstico tanto quanto se não pode ser menos. Noutras bandas seria engraxador ambulante, por aqui teve a oportunidade de ser chato. No fundo do seu ser não era peganhoso, como pode parecer à primeira vista, nem cultivava esse bolor seco e sufocante que o enfadonho da sua pessoa transmitia aos demais. Não, no fundo era negro e frio, imenso espaço vazio e por isso mesmo hospitaleiro: os colegas podiam atirar-lhe lá para dentro todos os confettis que lhes apetecesse que de lá não sairiam nunca cartazes coloridos a anunciar festejos de carnaval; talvez, eventualmente, bandeirolas para manifestações de siderúrgicos. Assisti em algumas ocasiões a exercícios de enchimento desses espaços, à pazada, com areia do tempo, na esperança de ver devolvidos grandes edifícios filosóficos mas a teoria deve ter adormecido lá dentro. Ou ainda anda perdida, sei lá.

É assim o Faustino, coitado. Nunca fuma dentro de uma igreja.

quinta-feira, 4 de setembro de 2003

Quinta-feira

Mais um dia em que me apetecia ficar em casa a pastar, mas é preciso ir ao Liquid beber uns copos. Maldito Luxemburgo que nunca dorme.

Nós queremos-te a TI !!

Amigos bloguistas, quem mais devemos convidar para este clube exclusivíssimo? O Grão-Duque estará disponível? E, mais do que isso, partilhará uma escova de dentes com o Fern... digo, o Pavão?

Bicada

O Bico bateu à porta do Emidão e disse: "Aposto 100 euros em como tu não sabes porque é que vim bater à tua porta". Diz o Emidão: "Sei, sei... vens pedir-me dinheiro emprestado". E o Bico: "Erraste. Não foi por isso. Ora passa para cá os 100 euros..."