segunda-feira, 8 de setembro de 2003

Higiene mental

Já não me lembrava o que é isso de escrever. A culpa - "culpa" pressupondo que eu ter deixado de fazer associações de palavras é algo de mau, o que para presunção já é um começo - atribuo-a, obviamente, ao Luxemburgo, na falta de melhor candidato. Afinal de contas, foi esse tipo, esse tal de Luxemburgo, que me ocupou, preencheu, sensibilizou, apaixonou e divertiu; já tinha experimentado isso tudo antes (certo, a parte do apaixonar é discutível...), mas sempre em doses regradas que não corriam o risco de fazer perigar os meus tempos de devaneio em frente a uma minimalista folha de papel pautado.
(É sempre uma boa imagem, a da folha de papel. Intimista, misteriosa mesmo. Com alguma subtileza é mesmo possível levar o leitor a nostalgiar sobre o bico da caneta de tinta permanente deslizando aveludadamente, num gesto cheio de destreza que enche a brancura do pergaminho com riscos sexy de tão entrelaçados. O mais curioso é que esses tempos nunca existiram e toda a gente que é gente, se alguma vez escreveu alguma coisa de jeito, foi num teclado inglês em frente a um ecrã de 10 polegadas)
E depois também cresci (para os lados, claro, porque como pessoa, bem, já vou perdendo as esperanças). Mas o facto é que a minha massa corporal, mesmo medida em libras, seguiu o mesmo processo que a dívida pública portuguesa - incremento na ordem dos dois dígitos. E isso não ajuda nada a escrever, mesmo nada: enganar o estômago com uma linhas de prosa é um dos truques mais velhos do mundo, apenas a seguir a rapar o cabelo quando as entradas começam a ficar exageradamente grandes. Todos os grandes escritores eram magros, alguns que levavam a profissão mais a sério eram mesmo esfomeados e uns certos predestinados usavam os ossos do ofício como guia de viagem - como Orwell e o seu "Na miséria em Paris e em Londres". A opulência não inspira. Nenhum dos grandes mestres frequenta assiduamente o Goodfriend, ao que se saiba - e não obstante convicções em contrário.
Vou entrar nessa luta. Não, não a luta do peso - embora hoje em dia já ataque menos sobremesas, a única luta do peso que estou habilitado a travar é Sumo - mas a luta da escrita, a peleja constante que é alinhavar fileiras de caracteres convencionados previamente. Se não for por mais nada, então que seja porque escrever é uma magnífica, talvez única forma de ordenar e seleccionar pensamentos, valorizando o que deve ficar e sobretudo expelindo o irrelevante. Se a higiene do corpo é diária, então que a da mente também o seja - e que este blogue se torne uma requintada e marmórea casa de banho.

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