quarta-feira, 10 de setembro de 2003

Burgues do caraças!

Toda a gente sabe que o meu amigo Fagundes é um ser irascível. Sobretudo quando o contrariam. As estradas têm de ser vias férreas, os relógios têm de ter ponteiros manuais, as regras têm de seguir os limites do seu esqueleto. Já se sabia isso. E há muito tempo. Pelo menos desde que as caixas de previdência inventaram o cinto de segurança. Mas não se sabia que uma série de obstáculos, colocados sem prévia consulta popular, que apenas bloqueava as artérias do centro da cidade, ia provocar no meu amigo Fagundes um desabafo tarzanístico: "Pooooorra!".
O episódio não seria meritório de escavação sociológica, nem profunda nem ligeira, se o meu amigo Fagundes, que é um ser irascível quando o contrariam, não tivesse interpelado «o palhaço que tava ali com um oquitóqui colado ao focinho a dizer não sei que parvoíces» a outro, certamente palhaço e com focinho, que estaria, certamente com idêntico aparelho, a ouvir e, certamente, a retribuir idênticas babujices. O desgraçado limitou-se a acenar com a cabeça e a encolher os ombros, o que mais enraiveceu o nosso irascível amigo: "Tás a ver como eles são palermas? É o que te digo - isto é uma cidade de província... Isto é pior que Águeda!"
Talvez a polícia tenha fechado as ruas tendo em conta a afluência de pessoas no último dia da feira no Glacis. Se calhar vai haver fogo de artifício, sabe-se lá. "Pois é, os provincianos. Há feira na Covilhã e todos os parolos das redondezas vão à feira. Há festa na cidade e já não se sabe fazer outra coisa. Os bares estão às moscas, os concertos idem-idem... Algum gajo te convidou para alguma coisa hoje?"
Para um cidadão evoluído, mas esquecido de que vive numa cidade de cem mil habitantes, com as consequentes fraquezas sociais, não há razão nenhuma para que os bares estejam desertos numa segunda-feira à noite. "Quais vantagens?! Claro que numa aldeia é mais fácil meter todos os livros na prateleira. Numa aldeia arruma-se tudo; até há lugar para um novelinho de pó!"
Não viessem é, agora, obrigar o meu amigo a esbarrar em todas as ruas do centro, a fazer meia-volta, a bufar num trânsito mais caótico que o costume porque perdido, a pedir licença a automobilistas mais abéculas que o costume, a gastar gasolina, a fazer uma vooooolta do caruncho para... ir para casa! Ele só queria ir para casa, estava a borrifar-se para a actividade cultural que encerrava em Limpertsberg. Ele só queria chegar ao bergue mais acima, ao Duoutroladodaponteberg.

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