sexta-feira, 12 de setembro de 2003

Telefilme

Dizia-me recentemente um amigo que a actividade - elevada a desporto nacional do Luxemburgo - a que se tinha dedicado nas passadas semanas, mudar de casa, estava praticamente terminada. "Agora que encontrei a mesa desdobrável no Hornbach, só me falta uma televisão e está feito."
Uma televisão? Para que quer ele uma televisão?
Esclareçamos: vídeos e leitores de DVD não entram na equação e o rapaz é grego, o que, nem sequer sendo culpa dele, tem a grande vantagem de o libertar do mau-olhado que é ver a RTPi.
Quando ele disse isto as palavras saíram-me em catadupa. "Não compres uma televisão, estão muito caras." "Se não tiveres televisão sais muito mais, convives" "Aposto que tens lá livros que nunca leste e..." "Não há nada mais castrador de uma soirée a dois que uma televisão". Claro que não acredito em nada disto. O que eu realmente queria era poupar o meu amigo à indigência que é a televisão "luxemburguesa" - ou antes, aquilo que podes ver no teu ecrã se vives por aqui. Basicamente: podes ver o que te mandam, porque não podes escolher quem te mete o cabo. É o cabo dos trabalhos encontrar algo de jeito para ver se, ao fim e ao cabo, cabe aos oligopolistas dividir entre si os clientes, atirando-lhes à laia de atenção os mesmos estafadíssimos canais franciús e boches de há 30 anos. Não tem cabimento. Só levando a cabo uma revolta de cidadãos teledependentes seria possível mudar o actual estado de coisas, mudando de cabo a rabo a deprimente paleta de canais à nossa disposição.
As parabólicas, diria o leitor, poderiam por seu cabo constituir solução, mas na prática isso não acontece. Sendo bem difundida a tendência daqueles que têm um minúsculo poder para abusar dele ao máximo (os vigilantes privados são de tal o exemplo clássico) e conhecidos os desvios autoritários dos nossos con-habitantes, não há neste canto do planeta prédio, casa, vivenda ou pardieiro que não proíba expressamente, qual Kim Jong-Il, o emprego desses diabólicos engenhos que poderiam eventualmente pôr mentes ainda impreparadas em contacto com bons canais de filmes, desporto ou f*da... Assim, o pé-de-meia das famílias Reiter, Frieden ou Polfer fica salvaguardado, os putos, subversivos como só esta juventude sabe ser, deliciam-se com o 696.º episódio do "Friends" e os tugas podem manter o contacto com as suas raízes bailando ao som do rancho folclórico que está a bater.
Os Pulp, aqueles de Sheffield, devem ter passado alguma vez pelo Luxemburgo: "A minha vida tornou-se uma ressaca sem fim. A movie made for tv: bad dialogues, bad acting, no interest. Too long with no story and no sex"
O meu amigo grego já comprou uma televisão.

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