quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Aeroporto civil ou militar?

Parecerá uma observação demente mas realmente o elemento mais saliente, na nova aerogare do Luxemburgo, é a presença policial. Honestamente, e sem qualquer intenção apriorística, sem malvadez, pode dizer-se que esse aspecto é, mesmo, predominante.

Comece-se por dizer que o edifício é de uma concepção mais do que pobre, quase tacanha. Trata-se simplesmente da antiga aerogare redimensionada e ligeiramente modernizada. De um ponto de vista arquitectónico, a obra é velha à nascença. A disposição dos elementos é exactamente a mesma que na aerogare anterior, apenas contando esta com mais espaço para os utentes passearem o cão, como é habitual nos aeroportos modernos.
Não estejam a torcer o nariz; isto é incontestável. Este conservadorismo está na cara. Tentem lembrar-se onde se situavam, nesse espaço rectangular, os pontos de check-in, os balcões das companhias, os das informações, o da livraria, o restaurante (tanto para visitantes como para passageiros a embarcar), depois vejam onde esses módulos estão colocados na nova estrutura e, por fim, digam-me quais são as diferenças...

E no aspecto prático, a obra é detestável — a começar pelos lavabos dos homens, onde há... um mictório. Um! A malta que lá vai esperar alguém já mijou em casa, claro... Sai-se do parque por um corredor principal que desemboca... onde? Na entrada principal? Não. Em nada. As portas estão largos metros à direita ou à esquerda. Parece a concepção das fronteiras dos países ameaçados (pacto de Varsóvia, Israel, etc.), da embaixada inglesa em tempo de crise iraniana ou de um território em estado de guerra: tu não segues em frente, pá, fazes mas é umas curvinhas que é para evitar os assaltos frontais. As saídas do parque de estacionamento respondem aos mesmos critérios militares: estão concebidas para motorizadas; para automóveis, não. Espaço havia; o concepcionista é que era de vistas curtas, decerto.

Voltemos ao interior do efício. A meio da nave há dois stands: um é o das informações, outro... o da Polícia. A ideia deve ser a de que, num aeroporto, a gente ou pede ajuda (porque os aeroportos são gigantescos, como este...) ou apresenta queixa. Não se vê tal em NENHUM aeroporto europeu, seja ele moderno ou não. E, neles, a polícia está, certamente, presente. Mais: a um nível correspondente ao risco (real ou imaginário). Está lá mas mal se vê; aqui a gente tropeça nela a cada instante!

Três tapetes para a bagagem é um autêntico luxo, relativamente às antigas instalações. Pois, mas com uma diferença: ao sair, o passageiro não vislumbra os habituais funcionários de alfândega; atravessa uma guarda de honra de quatro ou cinco agentes da polícia, daqueles fardados de preto dos pés à cabeça, botas inclusive. Por acaso não têm capuzes; mas só lhes falta esse adereço para a gente sentir que, ou somos nós, ou é o gajo que vem atrás de nós que é o perigoso terrorista que escapou às malhas da segurança do aeroporto precedente.
Tem mais. Estamos à espera que as malas venham de Saarbrucken ou até de mais longe, sabe-se lá, e, em frente, está um grande espelho. Foi posto lá, naturalmente, para que as senhoras retoquem a maquilhagem antes de se apresentarem aos familiares que as aguardam à saída. Claro. Não é a parede atrás da qual, no refúgio invisível, agentes da autoridade vigiam, discretos e impunes, os gestos suspeitos dos impacientes passageiros à espera da mala onde vem a gilette e outros objectos altamente perigosos.

Mimado pelas medidas que garantem a sua segurança e a inviolabilidade dos seus haveres, o passageiro conforme às regras sai e, ao virar a esquina, à cata do amigão que lhe vai dar uma boleia para casa — já que os táxis daqui também mamam da mesma teta que os restantes agentes económicos: para o lado de trás da colina são vinte euros, para o planalto a seguir são cinquenta... —, portanto o tal passageiro, se lhe calha dar uma mirada para trás, depara-se com outro espelho enorme... Pois, não vá dar-se o caso de a maquilhagem não ter sido bem retocada antes ou os cabelos estarem desgrenhados, e assim pode retomar o aspecto conveniente ao bom cidadão... O que se passa por trás do espelho, isso a gente não sabe (·).

Sai-se do edifício, são quase onze horas da noite, é o último avião e o movimento cá fora é igual ao de Moimenta da Beira ao domingo à noite, mas ali, a uma dezena de metros da saída, no parque de estacionamento, virada para a gare, em posição, para qualquer eventualidade, está uma carrinha da... Polícia. À tarde, uns dias antes, na mesma Moimenta em altura de frenesim, quando ao comprido do edifício se alinham, em sentido, duas dezenas de táxis, nervosos e excitados com o movimento, de motores parados para poupar gasóleo, era a mesma evidência. Mas não uma evidência a cavalo; na altura era a pé: um diligente agente, mascarado como os da alfândega, com a mesma fatiota negra, de bastão e coronha de fora, a circular entre os táxis e o parque dos visitantes, certamente à cata de algum embrulho suspeito. A humidade da noite é má para os ossos; a chauffage da carrinha vem mesmo a calhar.

Em conclusão: a velha aerogare de cara lavada presta os mesmos serviços que a apodrecida irmã, só que de uma forma vincadamente mais protectora. É que nós, com todos os riscos que corremos quotidianamente face ao movimento terrorista internacional, sentimo-nos muito mais invioláveis se, na pressa de regressar a casa, esbarrarmos num polícia em vez de num arrumador de carrinhos.

(·) Diz-me um amigo que os amigos alfandegários ficam à cata de movimentos suspeitos nos indivíduos que recolhem a bagagem. Pois... não há cães que farejem droga, não há scanners para outros produtos, as malas não são analisadas, tudo é manual aqui (que'se dizer, visual). Mas não chega espreitar pela fechadura na altura da recolha da bagagem; têm ainda de bisbilhotar, escondidos, o que faz o cidadão à saída...! Eu acho que estas medidas de prevenção não são suficientes; acho que talvez fosse mais seguro eles irem a nossas casas, ou aos hotéis, perscrutar o desfazer das malas...

3 comentários:

Anónimo disse...

Coincidência maior - mas feliz! - esta de vir aqui espreitar apenas dois dias depois de tão inspirada prosa.
Inspirada e curiosamente comedida. Foram as férias que te fizeram bem... a mim, que não conheço o novo galinheiro, perdão aerogare, levantam-se-me os pelinhos todos dos braços apenas de imaginar. Não poderia ser tão distanciadamente irónico.
Que bom é viver fora do paraíso dos reformados lavadores de dinheiro...

Quinhe disse...

Tens razão em quase tudo. A excepção é que eu já passei por lá quatro vezes e nunca vi a polícia. O que me fez falta foi uma garrafa de água. Não há. Em nenhum sítio do aeroporto; nem dentro nem fora; nem antes nem depois do check-in. Sabendo que hoje em dia não se podem transportar líquidos é bastante encaralhante. No bar lá dentro só têm bebidas em garrafas der vidro que tens de consumir sur place. Restam os smoothies que esse podes levar contigo...

Carlos Roso disse...

Não a viste??? Oh car...! Não me digas que era por minha causa...