quinta-feira, 30 de outubro de 2003

Kill Bill, ou a prova de que Quentin Tarantino é um mister.

Quando Kill Bill Volume 1 começa não sabemos quase nada. Descobrimos lentamente que Uma Thurman se chama Black Mamba quando trabalhava para Bill. Ficamos a saber que Bill tinha uma espécie de Anjos de Charlie que se chamavam DiVAS (Deadly Viper Assassination Squad). E informam-nos finalmente que Bill tentou matar uma noiva grávida no dia do seu casamento, numa capela no Texas.
A noiva acorda de quatro anos de coma e passa todo o filme a tentar matar uma série de inimigos cujos nomes vai anotando num bloco. Este é o argumento. A personagem também não merece mais profundidade que isto: é distante, inalcançável e estranha.
Depois chegam os créditos iniciais. "O quarto filme de Quentin Tarantino", anuncia-se, como se alguém tivesse conseguido esquecer o passado e a expectativa que rodeou Kill Bill. Todo o genérico convida-nos a ligar Tarantino a Bill, como se os dois fossem as figuras ausentes, mas manipuladores, deste filme.
A violência envolve quase sempre mulheres. Tarantino explicou-se: "dói mais quando vemos mulheres a lutar". É verdade. A combinação de géneros e a opção por um tipo de violência sensacionalista resulta numa bricabraque de visões que, de facto, chocam em permanência. As explosões são constantes: sangue que esguicha, membros cortados, cabeças separadas do corpo e mesmo escalpelizações cirúrgicas. Tudo é desejado, disse Tarantino: "uma cena de acção é como escutar uma sinfonia. Quando a sinfonia cresce até um certo ponto, os ouvintes esperam uma explosão. É por isso que eles vão à sinfonia".
Tarantino fez uma sinfonia composta de géneros como o "spaghetti westerns", o kung fu, o "blaxploitation" ou "grindhouse", mas incluindo também referências a filmes específicos, como os Anjos de Charlie, Ghost Dog, Battle Royale ou Crouching Tiger Hidden Dragon.
O filme foi coreografado segundo os métodos chineses e japoneses, e tem o toque do mesmo homem que inventou os movimentos de Matrix e de Crouching Tiger, Sonny Chiba. Este é um elemento fundamental para transformar Kill Bill num grande filme. Kill Bill é muito mais que as suas partes. Muito mais que os pedaços de inspiração chegados de todo o espectro cinematográfico de acção. É uma bactéria que só podia encontrar terreno fértil no cérebro já contaminado de Tarantino. O resultado é um filme que podia parecer vazio e superficial, mas é uma síntese difícil com uma montra espampanante, mas com um coração bem vivo a bater lá por trás... Pum pum. Pum pum.

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